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Na primeira metade de 2022 eu me encontrava numa posição altamente incomum, tendo passado pela pandemia no início dos meus anos formativos, ou seja, no início da minha passagem pelo ensino médio, acabei, após uma série de decisões e discussões, fazendo tudo ao meu poder para ser retido no segundo ano, em 2021, as repercussões disso ainda estão abertas para debate. Durante a pandemia, eu tive a oportunidade de começar e assistir incansavelmente os mais de mil episódios do anime One Piece, o qual criei uma enorme afinidade, a qual se torna clara quando comecei a praticar a assinatura do meu apelido online, “MAG” com um G encaracolado, após ficar ciente de que o autor do mangá, Eiichiro Oda, fazia o mesmo. Minha memória é imprecisa, mas posso assentir que costumava escrever e desenhar na carteira nos momentos de tédio e desinteresse das aulas (que, honestamente, eram todos eles), com isso, era também um costume, assinar “MAG” em diversos lugares além da minha carteira. Para os familiarizados, não é difícil fazer a relação entre essa atitude e minha inevitável fascinação pelo graffiti como forma de arte, então, ao agir costumeiramente, acabei cruzando caminhos com um rapaz que era mais adepto às práticas do que consideramos mais tradicionalmente como graffiti.

O responsável por me introduzir ao graffiti
Fui desenvolvendo minha, agora oficial, tag mas acredito que sempre foi notável que me ancorei precipitadamente ao meu passado mais simples de assinar com meu pseudônimo eletrônico. Em pequenas brechas eu acabei me envolvendo mais com a cultura e a história, mas nada digno de um verdadeiro historiador, sociólogo ou video-essayist do Youtube, apenas o suficiente para fugir da categoria de poser e desenvolver algo digno de ser elevado em um muro, para o inevitável dia em que eu trocasse a caneta pilot por uma lata de tinta de verdade. Por volta do último bimestre de 2022, eu pude passar numa loja de tinta, convenientemente próxima da nossa escola, e adquirir uma lata de tinta spray preta de uso geral, para não levantar suspeitas, obviamente (em retrospecto, eu não acredito que os balconistas são pagos o suficiente para se importarem). Aquela latinha só iria ver seu primeiro uso após um ano, no último dia de aula de 2023.

Dezembro de 2023 foi um período turbulento na minha vida pessoal, portanto o último dia de uma longa e imprevisível jornada no colegial não parecia nada mais que uma gincana no meio de algum ano não especifico do fundamental, mas eu sabia que não haveria uma chance tão excepcional quanto aquela, portanto mantive minha tinta em mãos a todo momento. Não vou entrar em detalhes, mas como os eventos acabaram com tempo de sobra, tivemos um momento para fazer algumas artes no interior da escola, um grande avanço comparado à confiável caneta pilot que usávamos para escrever na parede e nos tetos. Em seguida, tivemos a oportunidade, neste mesmo dia, de fazer nossas tags ao ar livre no perímetro do lago municipal, um dia extremamente produtivo ao considerarmos que aquela latinha não viu a luz do sol por aproximadamente de 365 dias. Alguns dias antes do ano acabar, me reuni com meu grupo de interesses mútuos para realizar algumas pixações com maior liberdade, além de jogar um pouco de basquete, não era incomum ver pixações na quadra principal da nossa região então é natural que tenha sido nosso primeiro aproveitamento real da tinta em mãos naquele dia. O grande descaso com o patrimônio muitas vezes resulta em uma cena de uma quadra sem cestas, como era o caso nesse dia, logo, para não perder o dia, decidimos seguir para a quadra mais próxima, que por acaso possui uma presença significativa na minha história. Essa segunda quadra era parte da escola onde cursei o fundamental, porém, após algumas reformas, ela foi separada do perímetro original da instituição, tornando-se pública. Tendo isso em mente, não pude deixar de atribuir ao local uma marca moderna que remeteria ao forte sentimento de nostalgia e às memórias que possuía.


Os prospectos de um reencontro em dezembro de 2024 estavam em intersecção com a nostalgia dessa recordação, além de algumas influências de mídias analíticas de outras formas de arte e seus passados. Inicialmente, associei o fato de que as tags do meu grupo seriam vistas em conjunto, pelo que seria a terceira vez, com a existência dos “crews” – termo usado para descrever grupos de grafiteiros – em específico, com um grupo associado a um grafiteiro pelo pseudônimo de BOBAGEM, o qual é um acrônimo da frase “Brasil Oferece Baixa Alimentação Governantes Escondem Milhões”, só pude entender o verdadeiro significado por trás da tag, assim como a existência de seu crew, através do Instagram do autor que descobri em algum momento do ensino médio. Procurando me recordar e aprofundar sobre o grafiteiro e seu bando, decidi procurar sua rede social novamente, mas, por algum motivo, eu não estava mais entre os seguidores do que era um perfil privado no Instagram, impossibilitando meu acesso a quaisquer informações.

BOBAGEM

Esse obstáculo desviou minha jornada para o caminho de nostalgia que me inspirou verdadeiramente a produzir esse texto. A maioria das pessoas consegue, após serem pressionadas, concordar que o graffiti sempre esteve presente em sua história, mesmo que não praticando sempre vai haver um muro em alguma local popular o suficiente para você imaginar o desafio que seria pichá-lo. No meu caso não é diferente, uma década atrás eu estava descendo a rua da escola anteriormente mencionada e vendo rabiscos e nomes nos muros, porém havia uma tag em especifico que marcou uma enorme presença, “Los Punkers”, com a obra de maior destaque encontrada no prédio da Secretaria de Segurança Pública. Por alguns anos meu grupo de amigos especulava sobre as raízes daquele nome – de certa forma influenciados indiretamente pela cultura do graffiti – mas somente durante meu recente momento de pesquisa que pude atribuir um lado humano àquele símbolo.


Inicialmente tudo que encontrei foi uma notícia de 2012, já fora do ar, de um suspeito de participar do grupo Los Punkers que havia sido detido pela polícia, o que parecia ser o anticlímax da minha pesquisa, porém, após refinar minhas fontes, encontrei a arca dourada. Uma página do Facebook, ao que tudo indicava mantida pelo homem por trás da arte, tendo sua última atividade em 2016, mas satisfazendo mais de uma década de curiosidade. Imagens dos jornais que anunciavam o cárcere do suposto membro do bando com comentários satirizando a situação, tudo indicava que o verdadeiro autor estava livre, além de ser apenas uma pessoa. O primeiro ato da minha jornada conclui com o fato de que a tag nos muros da Secretaria da Segurança Pública, sede da guarda municipal e essencialmente uma fortaleza, havia persistido ali desde 2011 até o presente momento.

Uma das mais impressionantes do CORUJA
Algumas publicações, possuíam comentários demonstrando apoio e se divertindo com a situação e, no estado que eu estava, não pude resistir, decidi entrar num dos perfis que havia interagido. A postagem original era antiga, mas a pessoa se mantinha ativa na rede social, logo de cara minha atenção foi fixada por uma imagem de luto, um rapaz ao lado de uma tag que era extremamente familiar, não me lembro de instâncias especificas como a Los Punkers, BOBAGEM ou até mesmo o CORUJA, mas sabia havia visto a muito tempo e em diversos locais.

Erison Francisco, responsável pela tag SCA, com participação no mural do cemitério municipal e do terminal da TCA, além de inúmeras outras obras, faleceu dia 7 de setembro de 2024, mesmo após muito aprofundamento não acredito que conseguiria encontrar todos os adjetivos para tratar com o devido respeito o nome do artista e seu histórico de contribuições para a comunidade e o graffiti de Araras. Minha análise superficial inicial me levou a uma descoberta que cimentou o peso de tudo que havia encontrado até aquele momento, uma antiga obra no Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU), realizado em 2015, a qual sempre roubava minha atenção ao ponto de acreditar que ela existia ali a muito mais tempo do que o relatado.

Obra Mencionada, SCA

Após o longo período de obsessão, juntamente com o processo de escrita e pesquisas adicionais, tive a oportunidade de refletir sobre o passado e a presença do graffiti no mesmo. Ressalto novamente, é comum dizer que você já teve algum contato com a arte urbana, mas agora é diferente para mim, já não posso afirmar com tanta certeza que rabiscava e assinava carteiras na escola sem motivo, afinal, inconscientemente eu sempre via a história de inúmeras pessoas escrita claramente em muros espalhados pela cidade e, por muito tempo, eu achava que era só isso. A curiosidade e a pesquisa me permitiram associar os pseudônimos, as figuras, a rostos, a pessoas (mesmo que ainda conceituais), influenciando diretamente na forma em como penso na próxima vez que vou sair na rua com uma lata de tinta e um sonho, sabendo que agora eu faço parte dessas pessoas.


(gif por samxsteve, tumblr)
Seja lembrado.
-koMAG

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